domingo, 18 de março de 2012

A riqueza de se olhar o outro: análise de Samwaad


A interpretação de um texto depende, entre outros fatores, da compreensão da cultura em que ele está inserido. Assim, um leitor competente é aquele que tem um bom repertório de conhecimento, com o qual estabelecerá associações de sentido. Quanto mais relações semânticas ele conseguir fazer, mais eficiência interpretativa vai demonstrar. E como adquirir essa habilidade? Leitura, muita leitura.
Entretanto, para entender a tradição em que estamos colocados, muitas vezes é útil olhar também para outros grupos sociais. Assim como o domínio de uma segunda língua ajuda a compreensão de nossa própria, assim como o estudo de outras áreas de conhecimento melhora o nosso desempenho mental para aquela em que nos dedicamos (quem é de humanas, por exemplo, precisa exercitar atividades de exatas e biológicas), o contato com outras culturas aprimora o conhecimento que temos da nossa. É o que se pode notar no vídeo acima.
Trata-se da abertura do espetáculo Samwaad (2003), de Ivaldo Bertazzo. Nesse belo trabalho, que contou com a participação de jovens de várias ONGs da periferia da cidade de São Paulo, Madhavi Mudgal, uma das mais renomadas artistas da Índia, dança diante de um passista de escola de samba. Ao fundo, ouvimos inicialmente a tambura, instrumento de corda indiano utilizado para sustentar tonalidade. Cria-se assim o clima oriental. É aí que entra a bateria sambista, curiosamente acompanhada do tabla, um instrumento indiano de percussão.  Está instaurado o contraste e o confronto entre a cultura brasileira, à direita, e a indiana, à esquerda.
O curioso é perceber que só no primeiro momento a musicalidade se manteve estanque – a indiana exclusivamente sob sons orientais e o sambista exclusivamente sob sons ocidentais. O contato que as duas sonoridades estabelecem permite que o desempenho artístico dos dançarinos se valorize, pois provoca a fusão entre duas concepções de mundo. Não é à toa que o espetáculo em que tal ocorre se chama “Rua do Encontro”, pois é a relação entre diferentes culturas que torna o gênero humano mais rico.
Antes que atirem a primeira pedra ao coitado dO Magriço Cibernético, é importante ressaltar que não se está fazendo um mero discurso paz e amor cheio de chavões cheirando a incenso ou outras coisas. É apenas a prática que vemos configurada aqui. Quando se olha para o outro dançando, e se se compara com o como nós dançamos (tudo está sendo dito aqui de maneira alegórica), notamos o requebro e flexibilidade típicos de nossa cultura, a revelar nossa sensualidade. Isso contrasta com a forma aprumada como Mudgal dança, destacando não sua pélvis, mas seu rosto e mãos. Haveria, então, o contraste entre a jovem cultura brasileira, centrada ainda nos chacras da região da cintura, e a milenar cultura indiana, centrada nos chacras da região da cabeça. Claro, isso tudo de forma alegórica, nunca é demais repetir. Tanto há brasileiros centrados nos chacras superiores quanto há indianos centrados nos chacras inferiores.
Enfim, o olhar que dedicamos ao estrangeiro enriquece nosso conjunto de valores, facilitando uma maior compreensão das tradições que possuímos. É importante, pois, deixar de lado comodismos, intolerâncias e preconceitos e aceitar o outro em suas múltiplas potencialidades. Muito temos a ganhar com isso.



Nenhum comentário:

Postar um comentário