Sempre
necessário se faz lembrar que um texto é mais do que um amontado de palavras –
seu sentido é estabelecido pela ligação que se dá entre elas. Essa regra, essencial para a compreensão do
que se lê, torna-se tão automática que, por causa de ineficiência de redação,
muitas vezes somos levados a fazer interpretações inadequadas. É o que se vê em
alguns exemplos hilários retirados a esmo da internet nos últimos tempos. O
primeiro deles veio de um grande portal, o G1.
Além
de haver uma imprecisão por causa de ambiguidade na manchete (qual foi o pedido
especial do Papa: a cesta de ovos para Santa Clara ou o aparecimento do sol?),
estabelece-se uma conexão estranha de ideias. O raciocínio mais lógico, e
cabível para um jornalismo sério, dá conta apenas de uma relação temporal: a
solicitação foi feita em um momento anterior ao do aparecimento do
astro-rei. No entanto, a composição
possibilita que se deixe a entender – erro que deve ser evitado para um órgão
de imprensa sério – uma correlação causal-consecutiva: o sumo pontífice fez um
pedido (causa) e o céu se abriu (consequência). A fé pode fazer com que alguém
acredite que um líder religioso seria capaz de alterar condições climáticas,
mas essa ordem de pensamento não deve existir em um órgão respeitável de imprensa.
Mais
um exemplo vem de outra página do mesmo grupo G1, a Ego, voltada para notícias
ligadas a celebridades:
O
problema nesse caso está na ordem desajeitada em que as palavras foram
dispostas, gerando um sentido desagradável. A intenção do redator era dizer que
Beatriz (informação 1), filha de Fátima Bernardes (observação especial sobre a
informação 1), aparece na foto com os jogadores Neymar Jr e Oscar (informação
2). No entanto, a inoperância redacional deixou a entender que Beatriz era filha
de Fátima Bernardes com Neymar Jr – ou, pior e mais absurdo, filha que Neymar
Jr e Oscar geraram em Fátima Bernardes. Um simples ajuste teria evitado essa
situação constrangedora: “Beatriz (filha de Fátima Bernardes) com Neymar e
Oscar” ou “Beatriz, filha de Fátima Bernardes, posa diante de Neymar e Oscar”,
entre tantas outras possibilidades menos lesivas.
O
exemplo a seguir foi colhido de um perfil oficial no Twitter de um órgão
governamental (e que deve, portanto, zelar pelo respeito aos direitos humanos)
– o do metrô do Distrito Federal:
Eis mais uma caso em que a má manipulação das
palavras provocou um efeito que pôs a perder a intenção positiva da mensagem. A
proposta – louvável – era a defesa da integridade física e moral da mulher, que
vem sendo desrespeitada em vários momentos do cotidiano, inclusive no massacrante
transporte público. No entanto, a simples presença do vocábulo “outro” detonou
a índole benévola do emissor da mensagem, pois fez com que se entendesse que,
para o seu ponto de vista, ser mulher seria um entre tantos outros tipos de
deficiência. Como evitar essa gafe? Uma mera troca de “outro” por “qualquer” ou
então a eliminação de qualificações para “deficiência”: “para mulheres e
pessoas com deficiência”.
Enfim,
esses três exemplos – entre tantos outros colhidos de nosso dia a dia – mostram
que o sentido de um texto é garantido pela magia da articulação de palavras.
Fácil se torna perceber que a manipulação inadequada desses ingredientes é
capaz de produzir efeitos desajeitados típicos de um infeliz aprendiz de
feiticeiro.
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